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GameDev - Criando uma história (Parte 2): Roteiro baseado em Syd Field



(Fonte: freepik)

Aloha, Coffeelanders!!!!

Desbravadoes das terras da Cafeína,


Lendo o livro de Syd Field, Manual do Roteiro (que recomendo muito), deparei-me com conceitos bem valiosos, entre eles a estruturação de roteiros. Embora seja algo voltado para o cinema, pode-se facilmente adaptar para uma história que será narrada em um game.

O resumo de suas lições é o seguinte:

- O roteiro tem três atos.

- O primeiro ato corresponde ao despertar da atenção da audiência.

- O interesse da audiência se desperta nos primeiros dez minutos de contato com a obra.

- O segundo ato é o desdobramento do que foi apresentado no ato inicial, composto de todos os obstáculos oriundos do conflito no qual o(s) protagonista(a) mergulhou(-lharam) e tenta(m) resolver.

- O terceiro ato é o momento de conseguir a adesão da audiência, a culminância da empatia construída nos atos anteriores, através da apresentação do clímax da história.


Vamos destrinchar os tópicos:


a) O roteiro tem três atos: parece com o mote escolar de que os textos possuam "introdução, desenvolvimento e conclusão" ou "começo, meio e fim". Os três atos funcionam como um mapa para que o roteirista crie seus enredados acontecimentos em que o leitor/jogador/espectador irá imergir (ou ficar boiando!). A tríade remete ao postulado de Aristóteles que até hoje sobrevive como uma "matemática" de escrita, e seu domínio é excelente para que a coerência e a coesão textuais fluam naturalmente da mente para o mundo físico, para ser apreciada plenamente pela audiência. A partir dela, até as estruturas não convencionais podem encontrar abrigo no seu fazer narrativo.


b) O primeiro ato corresponde ao despertar da atenção da audiência: um ato pode ser a sequência de eventos que culminam em um ponto de virada que o engata no ato seguinte. O ato inicial é o que estabelece conexão entre a audiência e o universo da obra. O que você pretende mostrar de cara?


Em Elidriel, há um panorama sobre as relações políticas e sociais que levam às celeumas da trama, passando pelas informações do tipo de agente que a protagonista é e por que ela seria recontactada, transportando o jogador com um corte de cena para um dia qualquer de Ada.


Em Vale dos Ossos, o jogador é apresentado a uma cena com personagens misteriosos, um ambiente tenebroso e uma sequência de diálogos que sofrem um corte brusco e incoerente com a tomada de posse da personagem, contudo essa incoerência é intencional, pois a conexão entre o protagonista e as personagens que iniciam o jogo será verificada mais tarde no roteiro.


Em Unmei, os jogadores são apresentados a um contexto místico que justifica a troca de corpos das personagens de forma bem breve, seguido da possibilidade de escolher com qual jogar. Cada personagem tem seu primeiro contato com o jogador já estabelecido pelo contexto de troca de corpos, e o mundo delas se desdobra em ambos os planos (jogador e personagens), já que elas também não sabem o que está acontecendo.


Esses momentos devem ser claros, mas não devem obrigatoriamente entregar todas as redes da trama de uma vez, dando tempo para que o jogador possa digerir informações e querer saber mais.

Em um filme, esse lapso temporal do despertar de interesse gira em torno dos primeiros dez minutos, o que nos leva ao próximo tópico.


c) O interesse da audiência se desperta nos primeiros dez minutos de contato com a obra:

Você tem o inacreditável conceito de limitar a percepção do player, mas seu jogo só fica legal a partir da segunda hora de gameplay, a quantidade de jogadores que chegarão à parte legal não será grande. A trilha para manter atenção do jogador deve ser como espalhar doces pra uma armadilha, que seduz com detalhes (da main quest ou de sidequest) que aos poucos revelam os detalhes daquele universo.


Seu jogo começa com uma pessoa que perdeu a memória e está em um prédio abandonado. Espalhe pedaços de informação, seduza com um cenário interativo e crie uma atmosfera de curiosidade que direcione o jogador para o próximo passo. O que te levaria a abrir aquela porta? Um som, um murmúrio, um comentário do protagonista sobre o cheiro, um bilhete que diz "não abra", uma fotografia...? Essa porta pode ser a razão de o jogador continuar ou deixar tudo de lado e escolher outro jogo pra se divertir.


d) O segundo ato é o desdobramento do que foi apresentado no ato inicial, composto de todos os obstáculos oriundos do conflito no qual o(s) protagonista(a) mergulhou(-lharam) e tentam resolver: no primeiro ato, o universo foi apresentado e algo perturbou o equilíbrio que ali existia (equilíbrio não quer dizer que todos viviam felizes, quer dizer que algo diferente impulsiona o protagonista na direção do motivo da sua história). Esse conflito que surge pode inclusive coincidir com o ponto de virada para o segundo ato.


Por exemplo:

JC é um streamer famoso. Todas as sextas ele faz gameplays de jogos dos inscritos e sempre incentiva pessoas com projetos independentes a criarem e enviarem para ele (isso é apresentação do universo). Você pode inclusive permitir que o jogador interaja com o cotidiano de JC nesse momento do game, fazendo-o ter um gostinho de como é a rotina dele e o que ele faz.

Algo acontece (OMG, WHAT???)

Um game de uma fada que vive em loop sugou JC para a DeepWeb (isso é o ponto de virada. Algo quebrou a rotina de JC, mudando até mesmo a sua realidade). Inicia-se o segundo ato.

Todo o rol de descobertas desse mundo, inimigos, puzzles e obstáculos que JC deverá enfrentar para voltar à sua realidade são cuidadosamente planejados para que o jogador compreenda que JC está ali por algum motivo (JC deve salvar o reino virtual do malvado Leirbag; houve um engano e JC caiu ali aleatoriamente e deve escapar; JC deve se tornar o rei daquele mundo... enfim, motivos que você elabora de acordo com a proposta do seu jogo).


Então, você tem diversas ideias de como dificultar a vida de JC e decide colocar tudo nos mapas pro jogador experimentar qualquer coisa ao seu bel prazer... e aí, as chances de perder o jogador são altas, pois ele vai ficar perdido. Você precisa organizar as possibilidades do próximo passo de modo coerente, mesmo se seu projeto tiver ramificação e escolhas que impactem o futuro do enredo.


Em Skyrim, existe um grande universo de possibilidades, mas ele tem predominância das sidequests, enquanto a motivação da narrativa segue uma linha bem reta: protagonista será condenado à morte, um dragão aparece, acaba com as execuções (fim do ato 1), protagonista foge, descobre que tem alma de dragão, segue para encontrar A VOZ, enfrenta obstáculos para, por fim, contactar espíritos do passado (fim do ato 2) e enfrentar o dragão do começo do jogo, Alduin e salvar o mundo.


Então, como pode ser feito?

Puxe uma linha reta do primeiro ato até a ideia que você tem do final do segundo ato. Dentro dessa linha comece a colocar os obstáculos, personagens icônicos, localidades que devem ser visitadas obrigatoriamente, missões e como superá-las, tudo de modo a traçar o "caminho canônico", a rota principal, enfim...o que o jogador deve fazer sem poder escolher para chegar ao fim.


Após estabelecer ao menos o esqueleto (a linha serve para que você se mantenha no mesmo sentido sem se afastar muito da intenção inicial), se for do seu interesse criar rotas alternativas, você pode criar ramificações para resolução de missões, localidades e personagens a serem conhecidos. Por exemplo, JC deve sair da cidade A e ir para a cidade B, porém ele pode ir até a Vila para pegar carona com o carroceiro ou ao porto para alugar um barco, de qualquer modo ele chegará à cidade B. Quando você perceber que domina essa ramificações pequenas, você pode criar algumas mais complexas que causem a sensação de real modificação de rota/destino da personagem principal.


e) O terceiro ato é o momento de conseguir a adesão da audiência, a culminância da empatia construída nos atos anteriores, através da apresentação do clímax da história:


O momento derradeiro, Liu Kang vs Shang Tsung, Mário vs Bowser, JC vs Leirbag. Nosso herói se depara com seu destino final, a resolução do conflito acontecerá, você oferecerá ao jogador um decisão a ser tomada (de repente, JC pode se juntar ao vilão e governar a DeepWeb)? Você oferecerá ao jogador um plotwist (de repente, o vilão não é vilão, é vítima, e a maldade reina em outra personagem que o acompanhou na trajetória)? Você oferecerá ao jogador uma simples finalização após uma batalha (pew pew, JC wins!)?


Eu lembro de quando finalizei Watch Dogs e Dying Light. Eu pensei: é isso?

A jornada foi ótima, mas a resolução do conflito, de longe, não era a cereja do bolo pra mim, porém era o suficiente para colocar um ponto final na história e assim ela funcionou. O primeiro State of Decay encerra toda a narrativa de uma forma tão simplória, que quando a missão final abre, eu preferia ficar invadindo casa e matando zumbi.


Nos exemplos que citei no parágrafo anterior, o ato 2 foi muito mais marcante que qualquer outra coisa. O que você planeja pro final do seu game?


O ato 3 oferece ao jogador a resolução do conflito e o final da experiência que o motiva (alguns games continuam permitindo interação naquele universo, como um sandbox), e é nesse ato que você pode engatar possibilidades de continuação, ou porque o vilão fugiu, ou porque o herói descobre que há mais monstros a serem destruídos, ou porque era 5 vilões e somente 2 foram mortos e há mais para ver.


A importância dele é o fechar das cortinas e até o minuto final você tem a chance de fazer a respiração do jogador ficar suspensa ou o coração parar porque a memória dele retorna ao começo da jornada e ele pensará "nossa...era isso...!".


Como criador de seu universo, você tem a liberdade de colocar vírgulas em pontos estratégicos para que ramificações sejam possíveis e caminhos alternativos e resgates de ideias possam ocorrer. Um exemplo muito recente é o Mortal Kombat 11.


Um tipo de reboot após um reboot originado por um armageddon. Kronika (nome muito interessante para seu poder) mistura linhas temporais para remontar a trajetória do torneio que conquista jogadores há décadas. Ao final do jogo base, Liu Kang se torna uma deus no lugar de Raiden e passa a ser o protetor da Terra, aparentemente um final hermético, até que em aftermath (a dlc que contém um modo história) abre uma vírgula (literalmente um portal) de onde saem novas personagens que acompanhavam distantes tudo o que ocorreu até então e uma nova visão sobre os fatos passados se desenrola (dlc de reboot no reboot?).


A resolução de Mortal Kombat 11 só é confirmada quando a dlc continua a narrativa, pois os finais alternativos do modo história podem muito bem funcionar em qualquer situação.


No fim das contas, você, como criador, pode elaborar três atos que se diferenciam por funções, mas de alguma forma estarão presentes em quase todas (senão todas) suas narrativas. O tom da sutileza e o peso que eles possuem na experiência do jogador quem dá é você. Porém, algumas dicas (que todos deveriam seguir, novatos e experientes):


- Leia/jogue/veja/experimente outras criações para despertar as suas.

- Ouça a opinião de outras pessoas e filtre o que é bom.

- Não tenha medo de mudar de opinião.


Os fóruns de game dev possuem espaço para expor ideias de roteiros e narrativas variadas, sinta-se bem em divulgar e compartilhar. Vou deixar aqui duas sugestões:




Além disso, você pode postar no nosso fórum, aqui na Coffeeland Web, no nosso site, suas ideias para pedir opinião. Vamos adorar ler.



C ya, Maker.

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